Estava algures no início 2011. Inverno. Não sei precisar o dia nem a hora. Sei que me encontrava sob uma grande pressão pois estava a terminar um trabalho académico que me estava a consumir o corpo e a alma. Não me conseguia concentrar, tinha frio, tinha sono e tinha fome. As duas últimas noites tinham sido agitadas. Não por causa das poucas horas disponíveis para dormir… a isso eu já estava habituada. Foram agitadas por causa dos sonhos recorrentes. Sonhos vívidos, tão reais como este teclado de computador onde vos estou a escrever este texto quase dez anos depois.

Na primeira noite sonhei que estava a ser perseguida numa floresta nocturna. Que fugia esbaforida como se a minha vida dependesse disso. Lembro-me das folhas a baterem-me na cara e a arranharem-me… Lembro-me muito bem do sobressalto que isso me causou. De acordar e de levar a mão à cara, pensando que estava cortada e de ficar a olhar para os meus dedos à procura de vestígios de sangue. Mas não. Era só um sonho. Voltava a pousar a cabeça na almofada e lá vinha tudo outra vez. Corria, corria e depois chegava a um precipício. Lá em baixo um acampamento, tendas e fogueiras. Homens de outro tempo, armados… como se fossem figurantes de um filme histórico. Pareciam… legionários… romanos?! Olhava para o lado e estavam outros homens, rapazes… vestidos com túnicas pretas e peles. Nada fazia sentido. Nada! Depois começava outra vez a correr, fumo denso atacava-me os pulmões, queria sair, queria sobreviver… Parecia estar contida numa caixa qualquer… e de repente ouvia um chiar… um apito e percebia que o fumo vinha de uma locomotiva negra, de ferro que deixava sair uma nuvem negra. Tão real, tão denso que me acordava outra vez a tossir.

Levantei-me, caminhei descalça até à cozinha e bebi um copo com água. A casa dormia. Os meninos bem aconchegados na cama, o meu marido a trabalhar até tarde. Silêncio absoluto.

A minha garganta ardia com o fumo. Já não ia conseguir dormir… fiquei ali… à espera do amanhecer.

No dia seguinte, depois de deixar as crianças na escola, reforcei a chávena de café e liguei o computador. Foi um dia pouco produtivo. Cheguei à noite muito cansada e as imagens dos meus sonhos preenchiam-me o imaginário.

Chegou a noite e pensei que finalmente iria descansar… O relatório por acabar! Sónia, Sónia tens de dormir nem que seja à força…

Só que não. Apesar de ser pleno Inverno sentia um calor intenso. Não vinha de fora, vinha de dentro. Uma febre crescia dentro de mim e eu sentia-me a inchar como um balão. Havia um estranho no meu sonho. Alguém que eu não conhecia, nem pessoalmente, nem de filmes, nem de livros. Meu Deus eu estava afeiçoada àquela personagem estranha… senti-me envergonhada pelas sensações que o meu corpo me dava. Parecia um guerreiro celta… eu não o conseguia ver bem pois havia um fogo a tomar conta de mim. Os sentimentos eram avassaladores e eu acordava a arfar… taquicardica. Parecia que ia enfartar. A almofada ensopada em suor. Sentei-me na cama e tentei racionalizar. “Ciência! Ciência! Aborda isto de uma forma científica! Isto é da ansiedade!” dizia para mim própria.

Abri a gaveta da mesa de cabeceira e procurei alprazolam, victan… qualquer coisa que para  lá tinha (já não me recordo) e engoli mesmo sem água.

Apaguei.

Mas o pior ainda estava para vir…

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